Verniz pop: do bolero ao brega, Natália Matos consolida linguagem radiofônica em seu novo álbum, “Sempre que chover, lembra de mim”
A música de Natália Matos, que chegou ao terceiro álbum nesta sexta-feira, dia 12 de agosto, é como um rio que vai firme e elegante aos seus afluentes, repleto de pequenos igarapés. Passeando entre sonoridades distintas, mas sempre com verniz pop, a cantora e compositora paraense chega ao seu terceiro álbum, “Sempre Que Chover, Lembra de Mim” (YB Music), consolidando um lugar para sua música . O disco, que conta com produção musical de Kassin, e participação de Fafá de Belém, marca a origem paraense da artista - presente desde a referência explícita no título até os timbres, sejam da voz ou dos arranjos -, mas aponta para uma temporalidade curiosa: o álbum, que conta com 11 composições, a maioria delas solo (somente três foram feitas em parceria, uma com Matheus Brant, duas outras com Leandro Muniz), é como uma canção de rádio de todos os tempos. Há a dramaticidade fina de um bolero, ou a leveza de um samba bossa-novista, passando pela quentura de um brega, ou tons algo lascivos de uma MPB contemporânea, mas sempre ressoando como se saída do rádio, seja dos anos 70, 90, ou 20.
ouça “Sempre Que Chover, Lembra de Mim”: onerpm.link/LembraDeMim
Abrindo caminho com a recém-lançada “Está nos mares”, composição de Natália que versa sobre uma história de amor que precisa chegar ao fim, o disco começa apresentando apresentando um brega-pop auspicioso. Com timbres que estão entre a década de 90 e a próxima, a gravação amplia o espectro pop-latino da artista.
Então chega “Sem razão”. Composta por Natália, e arranjada por Manoel Cordeiro, a canção que traz participação de Fafá de Belém é uma atualização da estrutura dos mais sofridos boleros. Enraizada na memória musical das periferias do país, o bolero talvez seja a forma melódica mais natural nas composições de Natália Matos, principalmente pela forma direta, no ímpeto de comunicação que ressoa não só nessa, mas ao longo de todo o disco. O registro é uma celebração, mas também uma síntese do que Natália veio cantar: o amor, suas origens, e suas influências.
A pandemia também surge, naturalmente, no álbum, “Nave do tempo”. Feita durante o isolamento, a composição rememora uma antiga paixão que apareceu em sonho e melodia para a artista. A música é uma viagem temporal, seja nos timbres retrôs, ou na temática romântica, onde o coração é posto como uma pista de pouso livre, mas perigosa.
O álbum também tem espaço para sedução. Em “Doce Feroz”, Natália destila lascívia. A música, uma parceria da artista com o mineiro Matheus Brant, soa como um pop úmido, ou uma mpb quentedesenhando uma estética latina muito própria.
Faixa que traz o verso que batiza o álbum, “Clarão” é guiada pela chuva. Feita no banho, enquanto chovia, ela marca o tempo entre a luz que acende o céu e o som do trovão. É, por fim, Natália Matos cantando um amor, e dizendo desse amor para sua cidade - ou à sua cidade - Belém.
A chuva, marca registrada da quente e úmida Belém, segue presente nos romances de Natália ao longo do disco. Em “Ela Saber Sentir”, que abre com o verso “Sempre chove na saída da lua”, a artista constrói um relicário de momentos olhando a lua no céu.
“Sempre chove na saída da lua'' é uma frase que minha mãe me dizia à noitinha, quando morávamos juntas em Belém. Essa música é sobre o poder que a lua tem sobre nós mulheres e nossa relação milenar, é sobre o poder que nós mulheres temos de sentir. Ela tem também um pouco da tal vida não útil escrita pelo Krenak, e o estado de suspensão e plenitude que a natureza nos coloca quando lembramos que somos parte dela”.
“Sempre Que Chover, Lembra de Mim" segue mesclando as nuances da natureza atravessando os amores e o tempo, e como isso se dá ciclicamente, com os amores e o tempo atravessando a natureza, como acontece em “Último raio de sol”, mais uma solo da artista. Já “Ventania” traz a segunda parceria do álbum. Feita ao lado de Leandro Muniz, a canção traz traços de João Donato, numa espécie de celebração da chegada da artista ao Rio de Janeiro, onde vive hoje. Um sambinha-bossa de recepção e encantamento.
“Abduzida” muda o tom. Entre tramas de sedução, a música, que fala sem curvas sobre o desejo, ressoa uma atmosfera noventista. Na sequência, “Pode acontecer”, outra parceria da artista com Leandro Muniz, parece saída da programação de uma rádio popular em dias de chuva. Romance com timbres de teclado que apontam para outros tempos, ela reafirma o trânsito da sonoridade que a artista construiu para o álbum.
“Tempo lento” amarra e encerra com elegância esse caminho. Feita em Alter-do-chão, ela costura os saltos de Natália país afora ao seu olhar sempre entrecortado pelas origens paraenses. Como se as músicas dissessem: sempre que chover, lembra das canções de amor de Natália Matos, sempre que chover, lembra que essa chuva é quente, úmida e latina.
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